domingo, 25 de setembro de 2011

Gigante do sertão

Fundada em 2004, a Biblioteca do Paiaiá reúne hoje quase 70 mil livros e é a maior do mundo em cidades rurais

Alice Melo

  • Duas ruas, uma escola e uma igreja: era assim que os moradores de São José do Paiaiá definiam o povoado até o início da década passada. Foi em 2004 que a situação mudou. Naquele ano, o pacato vilarejo do município de Nova Soure recebeu uma encomenda de 12 mil livros, que inaugurava umas das únicas bibliotecas rurais do sertão baiano. Por iniciativa de seu fundador, a Biblioteca Comunitária Maria das Neves Prado – instalada numa garagem – logo ganhou admiradores, doações e frequentadores. Em pouco tempo, tornou-se a maior biblioteca em uma cidade com menos de 50 mil habitantes no mundo. Hoje, ocupa duas casas, e seu acervo possui cerca de 70 mil volumes. Quanto ao povoado de São José... Este virou o São José da Biblioteca do Paiaiá.
    A remessa inicial não chegou ali por engano. Ao contrário do que os transeuntes pensaram no momento em que o caminhão descarregou as toneladas de títulos, ela fazia parte do plano de um ex-morador de introduzir o hábito da leitura e melhorar a alfabetização na comunidade. Geraldo Moreira Prado, conhecido desde os tempos de faculdade como Alagoinha, entrou numa biblioteca pela primeira vez aos 14 anos e, na ocasião, sentiu como se “estivesse no céu”. Ao longo da vida, fez dos livros seus parceiros, chegando a acumular 37 mil volumes em seu acervo pessoal.  Ao vê-los empilhados em casa, decidiu criar um projeto para beneficiar a cidade onde nasceu.
    “Lá não tinha biblioteca, e decidi mandar uma parte dos livros para a garagem alugada. No início, a reação foi negativa. Algumas pessoas diziam que o lugar não precisava de livros, e sim de geração de renda. Mas depois perceberam que estavam errados”, conta ele, que é historiador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Após a chegada da biblioteca, a repetência local diminuiu em 20%, e a cidade passou a receber visitantes de todas as partes do estado.
    O espaço hoje atrai desde pessoas interessadas nos cursos oferecidos até estudantes universitários, que encontram no local uma coleção bem variada sobre História do Brasil e do mundo. Há ali cerca de 2 mil obras raras, como a primeira edição de Casa-Grande Senzala, de Gilberto Freyre, e a coleção completa em francês de Molière, La Sage (1876), de Gil Blas. Sem contar os volumes sobre História da China, cujo acervo é do tamanho da paixão de seu colecionador pelo tema. Antes de pedir transferência para a faculdade de História, Alagoinha inscreveu-se no curso de Letras Português-Chinês, da Universidade de São Paulo, na década de 1960. “Desisti. Chinês é muito difícil de aprender”, brinca.
    Quanto às contas das casas e às obras de expansão, ele diz que paga do próprio bolso. Além dos livros, o acervo da biblioteca possui DVDs, discos de vinil e uma boa coleção de jornais e revistas – as preferidas dos jovens. O maior problema é a falta de espaço. Com tantos livros, uma nova casa precisa ser erguida, mas não existe verba. Alagoinha pensa em comprar outra residência. Ainda há muito trabalho pela frente, e o que não falta é vontade: “Os habitantes têm orgulho da biblioteca, têm proteção para com ela. Assim, a gente continua”.
    A Biblioteca de São José do Paiaiá funciona de segunda a sexta, das 8h às 17h. Nos fins de semana, das 8h às 12h. Informações em: www.sites.google.com/site/obcmnp/.
    Fonte: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/em-dia/gigante-do-sertao 
    Nº 072 setembro 2011.

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